O REENCONTRO FORA DOS PALCOS
Hoje sai de casa as
06 da manhã, rotina de todas terças , quartas , quintas e sábados,
moro na cacimba velha e o deslocamento atá a capital é extremamente
difícil devido as condições da estrada e da precariedade no
serviço de transporte coletivo, que dura há anos, e ninguém
resolve, resolvi parar no mercado do mafuá para tomar meu café com
beiju depois de tres semanas sem carimbar meu cartão fidelidade,
tive uma noite tranquila de descanso depois da nossa maratona de
teatro com as turmas de teatro experimental do IFPI e do teatro
infantil da Fundação Municipal de Cultura Mons. Chaves, que
funciona no Núcleo de Formação Antonino Freire, antigo Instituto
de Educação, e ontem também foi dia do meu natalício e também,
há cinco anos o dia da passagem para o palo espiritual de dona
Maricota, minha mãe, período em que também não mais faço festa
de aniversário.
Durante o percurso
até o mercado entre a Miguel Rosa , vejo de longe um antigo colega
de grupo de teatro, numa esquina que está ficando conhecida como a
cracolândia do mafuá, onde há algum tempo passado também
encontrara uma antigo colega, egresso do mesmo grupo , famoso em
Teresina, por conta do destino , não chegamos a nos falar….até
que quando me sento no quisque 23 da praça de alimentação do
mercado, uma mão me toca as costas, e para minha surpresa, era meu
antigo colega, muito magro, quase decrépito, consumido que está
pelo uso recorrente de alcool e outras drogas, pediu-me que lhe
pagasse um café da manhã, quase resisti em cometer essa boa ação,
mas algo me impeliu que o convidasse a sentar e me acompanhasse,
começamos a conversar e me fez relatos dolorosos sobre sua situação,
contara-me que fora ao aniversário do nosso Theatro 4 de Setembro, e
o misto de reações ao encontrar velhos amigos, disse-me que por um
momento, sentiu-se como um fantasma; lembrei-me deua saudos mãe que
também já desencarnou há tres anos,e ele me contou da cena que
lembrava da noite em que ela falecera, da ambulância chegando, e da
saída para o hospital quando ele subira impensadamente no
parachoques do veículo e deu de cara com os grandes olhos azuis de
dona Dalva, sua mãe, que eu chamava carinhosamente de estrela Dalva,
pois ela fora nossa aluna na UNATI Uespi, e que nunca esquecera
aquele olhar e que isso era um pensamento recorrente e que ele nunca
compartilhara até hoje,quando nosso reencontro no mafuá aconteceu,
sabe-se lá porque? Disse-me que não acreditava em Deus, eu tenho
uma espiritualidade em constante evolução, resignei-me para
entender os desígnios de nosso encontro na amnhã de uma quarta
feira. Evidente que choramos juntos, enquanto as pessoas ao lado
olhavam sem entender aquela situação de afeto, carinho e uma
conversa entre velhos amigos. Teve um momento em que a conversa ficou
um pouco mais dura e dolorosa, pois pena é um sentimento que não me
cabe sentir, disse-lhe coisas extremamente perturbadoras, pedi que se
cuidasse pois ninguém o faria por ele, disse-lhe estava indo a São
Luís do maranhão visitar minha única tia viva, pois preciso de
forças pra continuar resistindo e sobrevivendo como artista e arte
educador em Teresina, tomar um banho no mar e recebr as bençãos e
proteção da espiritualidade e da ancestralidade, disse-lhe então
que todas as vezes que estivesse a ponto de fraquejar diante das
drogas, lembrar-se dos olhos de sua mãe e de como e quanto ela
fizera para ajudá-lo, que encontrasse forças para resistir e voltar
a ser como já fora, não que se tornasse muito melhor do que jamais
fora. Rimos um pouco no meio das lágrimas e falamos de como
Teresina é uma cidade que maltrata os próprios filhos, das
dificuldades que todos nós passamos e de como o artista que depende
unicamente deu trabalho para sobreviver, passa. Nos despidimos e ele
me pede 10 reais para pegar uma moto pra voltar pra casa do pai,
quase nego a ajuda financeira, mas novamente fui impelido a dar um
voto de confiança para ele. Sai do mercado e olhei para ele se
afastando de mim, antes nos abraçamos, e ele disse-me que não havia
tomado banho que estava suado, como sou extremamente chato com
higiene, relutei, mas deixei-me abraçar, fiquei ali por uns segundos
nos braços de meu velho amigo, enquanto algumas lágrimas ainda
escorriam de seus olhos nos meus ombros, disse-me então que estava
se sentido melhor, pelo café, pela conversa e pelo abraço….
Dei as costas, e ao
chegar na porta do mercado, comprei um feijão verde, pensei em minha
tia Mundoca, no almoço que farei para ela e minhas primas quando
chegar em São Luis amanhã. Pensei em minha mãe, na saudade, no dia
de ontem quando Deus me ensinou sobre nascer e morrer, pensei em Dona
Dalva, mãe de meu amigo que acabara de ver na praça de
Alimentação….essas coisas que a vida nos ensina todo dia, que
Deus nos mostra, que as esquinas nos esfregam na cara.
Viver é uma oferta,
saber viver é uma escolha…. Eu escolho viver, seja dolorido, seja
prazeroso, seja triste, ou seja alegre, o importante é que seja
poesia!
Moisés Chaves
Teresina, 06 de Setembro de 2023